Dois a cada três campistas não se interessam por política
Pesquisa do Núcleo Norte Fluminense do Observatório das Metrópoles na área urbana de Campos dos Goytacazes indica que dois terços (66,7%) dos campistas não se interessam por política. Perguntados sobre seu posicionamento político-ideológico, 21,7% não souberam ou não quiseram responder. Entre os que responderam, 39,7% se identificam com a direita, cerca de um terço (31,6%) se identifica com o centro, e 28,7% com a esquerda. Apenas 13% dos entrevistados se identificam com algum partido político.
O questionário foi aplicado em 392 domicílios nos meses de fevereiro e março de 2022 como parte das atividades do projeto “Como se governam as cidades? Os desafios institucionais para o desenvolvimento urbano do Estado do Rio de Janeiro”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Os resultados são representativos da área urbana do município como um todo. O INCT Observatório das Metrópoles é uma rede de mais de 400 pesquisadores instalados em 18 Regiões Metropolitanas e centros regionais do Brasil. O Núcleo Norte Fluminense reúne pesquisadores da UENF, UFF, IFF e UCAM. A pesquisa foi coordenada pelos professores Luiz César de Queiroz Ribeiro (UFRJ), Wania Mesquita (UENF), Érica Tavares (UFF), Humberto Meza (UFRJ) e Joseane Souza (UENF), o projeto atual atualiza dados de estudo anterior realizada em Campos e outros municípios.
Entre os que declararam identificar-se com a direita, pouco menos da metade (16% do total de entrevistados) se enquadra na extrema direita. No grupo dos que se identificam com a esquerda, metade (14,3% do total de entrevistados) se percebem na extrema esquerda. A pesquisa analisa a cultura política da população de Campos bem como suas condições sociais e econômicas, além de identificar sua percepção acerca das políticas públicas urbanas e da atuação do poder público.
Sobre o acesso aos serviços coletivos urbanos nos domicílios abordados, afirma Érica Tavares, nota-se que o percentual de acesso a serviços é elevado. No questionário foram abordados os serviços ligados abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo, energia elétrica, telefonia e internet. Apesar de o percentual de atendimento do abastecimento água ser elevado — 96% dos domicílios pesquisados —, o percentual de atendimento adequado de esgotamento sanitário é menor (88%), o que revela uma situação mais problemática especialmente em algumas áreas da cidade. Já os serviços de coleta de lixo e energia elétrica não apresentaram significativas diferenças entre os domicílios, uma vez que quase 100% dos domicílios pesquisados são atendidos por coleta de lixo (a maioria sendo coletada diretamente por serviço de limpeza) e por serviços de energia elétrica (através da companhia distribuidora). Os/as entrevistados/as também responderam sobre as condições do domicílio a respeito do acesso a serviços de telefonia e internet.
Outro ponto importante é que a população foi questionada se enfrenta problemas em relação a algum dos serviços. No primeiro e no segundo subdistrito (que abrange bairros desde a região da Pecuária, passando pelo Centro, até bairros do IPS, Turf Club, Jockey, Tarcísio Miranda e outros), o serviço citado como mais problemático foi a energia elétrica. Já no terceiro e quarto subdistritos (que correspondem aos bairros de Guarus e à região da Penha), os mais citados foram problemas relativos ao abastecimento de água.
— Relacionando com o foco da pesquisa relativo à política urbana, vemos que ambos os serviços são prestados por empresas privadas: a empresa Águas do Paraíba, no caso dos serviços de abastecimento de água, e a empresa Enel, no caso dos serviços de energia elétrica — comenta Érica.
Cidadãos resistem ao associativismo, exceto o religioso
Sobre as formas de participação política, pode-se observar que a predisposição a participar varia significativamente entre as diversas ações, como assinatura de abaixo-assinado, participação em manifestação, comício ou reunião política, fóruns de discussão e greve, entre outras. Em geral, observa-se que a participação política efetiva (quem já fez/participou de alguma dessas ações) é muito baixa, em torno de 9% a 24%. As ações relativas a “assinar uma petição ou fazer abaixo-assinado” ou “participar de comício ou reunião política” apresentaram participação um pouco maior – 38,3% e 38,7%, respectivamente. Nota-se uma expressiva resistência em participar dessas ações.
Sobre a participação em grupos ou associações, a partir dos dados válidos (excluídos os casos de “não sabe/não respondeu”) e considerando a participação total (participa ativamente + participa não ativamente), observa-se que apenas 2,3% dos entrevistados participam de partidos políticos; 2,7% de alguma organização não governamental; 5% de sindicatos, grêmios ou associação profissional; 9,9% de grupo desportivo, cultural e recreativo. Seguindo uma tendência nacional, é muito maior (60,5%) o percentual de participação em alguma organização religiosa. A igreja se destaca não apenas pela maior participação ativa (37,2% dos entrevistados), como também por enfrentar a menor resistência à participação (14,4%).
Os dados apontam ainda que os partidos políticos; sindicatos, grêmios ou associações profissionais; e as organizações não governamentais, respectivamente, são as instituições que enfrentam as maiores resistências à participação. Um número relativamente alto de entrevistados afirmou que, apesar de nunca ter participado de grupos desportivos, culturais ou recreativos e de organizações não governamentais, pode vir a fazê-lo.
Mudanças de cenário e população estagnada
O município de Campos dos Goytacazes é o maior do Estado do Rio de Janeiro em extensão territorial e, apesar de os números preliminares do Censo 2022 serem menores do que as estimativas para 2021, ainda é o de maior população fora da região metropolitana. Segundo o IBGE, a população total do município em 2022 foi contada em 474.667, um acréscimo de apenas 10.936 (2,4%) sobre o número obtido no Censo de 2010.
O município está situado no norte do Estado do Rio de Janeiro, uma região que experimentou, nas últimas décadas, profundas transformações econômicas, sociais, urbanas, espaciais e ambientais, relacionadas ao desenvolvimento das atividades extrativas, com o crescimento das atividades petrolíferas e portuárias, assim como a mudanças no padrão de urbanização, ligados à metropolização, financeirização e crescimento dos investimentos imobiliários. O município é considerado tradicional polo regional por seu porte territorial, populacional, maior infraestrutura urbana e diversificação de atividades de comércio e serviços. Nesse sentido, as relações entre desenvolvimento urbano e cultura política foram analisadas nesse município, que apresenta grande representatividade quando se pensa nas mudanças econômicas, sociais e políticas no interior do estado.
Sobre a pesquisa, a base de cálculo para a amostra foi a população urbana dos quatro subdistritos do distrito-sede – em torno de 354 mil pessoas, considerando-se 95% de confiança e 5% de erro. Como aponta o relatório da pesquisa, os subdistritos foram divididos em setores amostrais com o intuito de reduzir a concentração da aplicação dos questionários em áreas restritas no interior de cada subdistrito. Praticamente todos os bairros urbanos do primeiro distrito (área central), que abrangem em torno de 252 mil pessoas ou 71% da população urbana total, tiveram questionários aplicados.
O questionário aplicado abrangeu questões relativas a serviços coletivos urbanos, condições sociais e domiciliares, cultura política e um perfil dos/as respondentes. Também foi possível dimensionar a ocorrência de enchentes e alagamentos nos bairros, o acesso a equipamentos culturais e áreas de lazer, a percepção da população sobre os serviços de mobilidade urbana, educação, entre outros, além da incidência da covid-19 nos domicílios, incluindo o acesso a itens de proteção, vacina e auxílio emergencial.
— Os dados preliminares da pesquisa, além de permitir analisar as condições sociais, econômicas, ambientais e políticas na área urbana do município, apontam a diversidade sobre a percepção das políticas urbanas em curso no município. Já no que se refere à cultura política, nota-se pouco interesse sobre as questões políticas em âmbito local e nacional, aliado a uma baixa participação política da população, dimensões que merecem maior investigação cruzando com outros dados da pesquisa — avalia Érica.
Além das dimensões aqui apresentadas, a população foi questionada sobre mobilização social, percepção sobre a administração pública e o sistema democrático. Também foram feitas perguntas sobre participação eleitoral e voto nas últimas eleições, que ainda serão exploradas e analisadas pelos pesquisadores.